A importância da recuperação após o esforço

Na sequência de um post que recentemente fizemos nas nossas redes sociais sobre quais seriam os métodos de recuperação que os nossos seguidores mais utilizam após esforços intensos, hoje aprofundamos um pouco mais este tema.

Esforços físicos exigentes têm diversas consequências no organismo do praticante: micro roturas musculares, redução das reservas energéticas, desidratação, alterações no equilíbrio ácido-base, etc. Isto leva a um desequilíbrio homeostático, ou seja, a uma alteração do estado estável de equilíbrio do organismo. Para se recuperar a homeostasia, entra em ação a recuperação.

A recuperação começa imediatamente após o esforço, sendo um processo que inclui descanso, reposição das reservas energéticas e hídricas, regeneração, ressíntese e redução da inflamação para que o organismo retorne ao ponto de homeostasia. É uma das componentes mais importantes do treino. Além de minimizar os efeitos negativos do stress proveniente do esforço realizado, potencia a ocorrência de adaptações que promoverão o fenómeno da supercompensação, potenciando melhorias no rendimento desportivo do praticante.

Mas como se deve recuperar? Que métodos de recuperação são mais eficazes?

Podemos definir a recuperação como ativa ou passiva. Enquanto a recuperação ativa recorre a exercícios dinâmicos de baixa intensidade (por exemplo, praticando outras modalidades desportivas), na recuperação passiva são aplicados vários métodos de diversas áreas distintas, como a nutrição, massagem, etc

Estes métodos aumentam a circulação sanguínea na zona treinada, aceleram o processo de recuperação e reduzem alguns marcadores inflamatórios.

Recuperação ativa dos jogadores titulares da Seleção Nacional de Portugal após o jogo com a Hungria (Euro 2020). Fonte: https://maisfutebol.iol.pt

A Recuperação ativa tem um efeito positivo na aceleração dos efeitos inflamatórios resultantes do treino intenso. Permite que o atleta se mantenha em atividade dinâmica e recupere para realizar um treino de melhor qualidade nas sessões de treino seguintes.

Alguns exemplos para corredores:

  • Natação: permite trabalhar todos os segmentos corporais e sem impacto (Lum, Landers e Peeling, 2010);
  • Ciclismo: é um dos treinos de recuperação mais populares entre os corredores. Apresenta níveis de esforço mais reduzidos que na corrida e reduzido impacto (Franke et al., 2021). Já repararam que até os jogadores profissionais de futebol recorrem à bicicleta para recuperar após um jogo?
  • Corrida: se for a intensidades baixas, em percursos planos e preferencialmente macios, ajuda a reduzir os efeitos negativos do impacto.

Quanto à recuperação passiva, temos:

  • Crioterapia: este método, se for feito imediatamente ou até 10h após o esforço exigente durante 10-12 minutos e a uma temperatura de 10oC, acelera os efeitos inflamatórios, reduz a dor muscular, podendo promover ainda aumento de força em movimentos dinâmicos (Moore et al., 2022);
  • Nutrição: o consumo de líquidos ricos em sais minerais, hidratos de carbono e proteínas, permite repor os líquidos e eletrólitos perdidos e as reservas energéticas, acelerando ainda a restauração muscular (abordaremos mais a fundo esta questão noutro artigo);
  • Sono: o sono permite acelerar a recuperação, previne lesões e potencia o rendimento do atleta. Se o praticante tiver a possibilidade de fazer uma sesta, os efeitos benéficos são exacerbados. Além disto, tem ainda efeitos na melhoria da memória, na atenção, no tempo de reação e no rendimento físico (Souabni et al., 2021; Cullen et al., 2020)
  • Massagem: a massagem parece ter um conjunto de benefícios:
    • Biomecânicos: aumento da amplitude articular, redução da rigidez muscular
    • Fisiológicos: aumento do fluxo sanguíneo nos músculos, aumento da atividade parassimpática, aumento das hormonas de relaxamento e redução das hormonas de stress
    • Neurais: redução da excitabilidade neuromuscular, redução da dor, redução da tensão muscular
    • Psicológicos: aumenta o efeito relaxante e reduz a ansiedade (Weerapong, Hume, & Kolt, 2012; Dupuy et al., 2018)
Além destes exemplos, existem ainda outras formas de recuperação passiva: electroestimulação, banhos de contraste (água quente + água fria), roupas de compressão, etc.

Então, qual é a melhor forma de recuperar após um esforço de corrida? Recuperação ativa ou recuperação passiva?

De acordo com o estudo de Bosak et al. (2008), parece não haver uma vantagem clara sobre qual a melhor forma de recuperar após um esforço intenso (recuperação ativa vs recuperação passiva).

No entanto, parece que a massagem parte em vantagem na redução da perceção de fadiga e da dor muscular (Dupuy et al., 2018). Ainda de acordo com Wielhove et al. (2018), massagem e crioterapia são os métodos que melhores resultados apresentaram na redução da perceção da fadiga, tendo ainda um impacto significativo em alguns marcadores inflamatórios como a creatina kinase.

Portanto, e uma vez que recuperação ativa e a recuperação passiva oferecem benefícios para a recuperação física, fisiológica e emocional do praticante, ambas devem ser sempre levadas em consideração.

A recuperação deve ser também ela periodizada, pois existem fases da época onde poderá ser necessário dar mais ênfase à recuperação que noutras, devendo o treinador/atleta, sempre que possível, incluir a recuperação no plano de treino (Mujike et al., 2018).

O treinador/atleta devem ter sempre em consideração a recuperação após o esforço, pois esta é imprescindível para potenciar a melhoria da performance do atleta. Sem um adequada recuperação, de pouco vale o treino físico, aumentando desta forma a probabilidade de ocorrência de lesões.


Bons treinos e melhores recuperações!

Referências:
  1. Bosak, A., Bishop, P., & Green, M. (2008). Active vs passive recovery in the 72 hours after a 5km race. The Sport Journal, 11 (3)
  2. Cullen, T., Thomas, G., Wadley, A. J., & Myers, T. (2019). The effects of a single night of complete and partial sleep deprivation on physical and cognitive performance: A Bayesian analysis. Journal of sports sciences, 37(23), 2726-2734. https://doi.org/10.1080/02640414.2019.1662539
  3. Dupuy, O., Douzi, W., Theurot, D., Bosquet, L., & Dugué, B. (2018). An Evidence-Based Approach for Choosing Post-exercise Recovery Techniques to Reduce Markers of Muscle Damage, Soreness, Fatigue, and Inflammation: A Systematic Review With Meta-Analysis. Frontiers in physiology, 9, 403. https://doi.org/10.3389/fphys.2018.00403
  4. Franke, R. A., Rodrigues, R., Geremia, J. M., Teixeira, B. C., Boeno, F., Rabello, R., Baroni, B. M., & Lima, C. S. (2021). Moderate intensity cycling is better than running on recovery of eccentric exercise-induced muscle damage. Physical therapy in sport : official journal of the Association of Chartered Physiotherapists in Sports Medicine, 50, 65-73. https://doi.org/10.1016/j.ptsp.2021.04.004
  5. Lum, D., Landers, G., & Peeling, P. (2010). Effects of a recovery swin on subsequent running performance. International Journal of sports Med, 31(1), 26-30. https://doi.org/10.1055/s-0029-1239498
  6. Moore, E., Fuller, J. T., Buckley, J. D., Saunders, S., Halson, S. L., Broatch, J. R., & Bellenger, C. R. (2022). Impact of Cold-Water Immersion Compared with Passive Recovery Following a Single Bout of Strenuous Exercise on Athletic Performance in Physically Active Participants: A Systematic Review with Meta-analysis and Meta-regression. Sports medicine (Auckland, N.Z.), 10.1007/s40279-022-01644-9. Advance online publication. https://doi.org/10.1007/s40279-022-01644-9
  7. Mujika, I., Halson, S., Burke, L. M., Balagué, G., & Farrow, D. (2018). An Integrated, Multifactorial Approach to Periodization for Optimal Performance in Individual and Team Sports. International journal of sports physiology and performance, 13(5), 538-561. https://doi.org/10.1123/ijspp.2018-0093
  8. Souabni, M., Hammouda, O., Romdhani, M., Trabelsi, K., Ammar, A., & Driss, T. (2021). Benefits of Daytime Napping Opportunity on Physical and Cognitive Performances in Physically Active Participants: A Systematic Review. Sports medicine (Auckland, N.Z.), 51(10), 2115-2146. https://doi.org/10.1007/s40279-021-01482-1
  9. Weerapong, P., Hume, P. A., & Kolt, G. S. (2005). The mechanisms of massage and effects on performance, muscle recovery and injury prevention. Sports medicine (Auckland, N.Z.), 35(3), 235-256. https://doi.org/10.2165/00007256-200535030-00004
  10. Wiewelhove, T., Schneider, C., Döweling, A., Hanakam, F., Rasche, C., Meyer, T., Kellmann, M., Pfeiffer, M., & Ferrauti, A. (2018). Effects of different recovery strategies following a half-marathon on fatigue markers in recreational runners. PloS one, 13(11), e0207313. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0207313