Hidratação nos desportos de endurance
14/02/2022

A água é uma das moléculas mais abundantes na superfície da terra e é essencial para quase todas as formas de vida que conhecemos, incluindo nós próprios. Não é por acaso que podemos ficar bastante tempo sem comer, mas pouquíssimos dias sem beber. A água transporta nutrientes, lubrifica, limpa e amortece o impacto, e é essencial para a realização de reações bioquímicas, para além de providenciar o meio para que todas estas reações aconteçam.

Contudo, no caso dos desportos de endurance, uma das suas funções mais importantes é a regulação da temperatura corporal. Correr é sinónimo de suar, algo que todos os praticantes sabem instintivamente, e ainda bem que assim é.

O aumento da contração muscular durante o exercício aumenta a produção de calor no corpo devido à ineficiência das reações metabólicas, e a partir do momento que a temperatura sobe dos 37-38ºC o corpo começa a lutar para restabelecer a normalidade. Uma das razões para isto acontecer é que muitas das enzimas e proteinas responsáveis pela contração muscular são inativadas a temperaturas altas, comprometendo o seu funcionamento.

O primeiro mecanismo a entrar em ação é a vasodilatação: os vasos dilatam para o sangue correr o mais perto da superfície possível, de forma a libertar algum do calor para o meio ambiente (o contrário também é verdade, num ambiente frio os vasos vão contrair, numa tentativa de preservar o máximo de temperatura possível). É a água que é libertada pelas glândulas sudoríparas que permite a evaporação do calor que está na superfície da pele, baixando a temperatura corporal. Esta é a razão pela qual deves evitar correr com muitas camadas de tecido em cima, especialmente tecidos não técnicos, o que acaba por aprisionar o calor produzido gerando o efeito de «forno».

Neste contexto, o suor acaba por ser uma das vias mais importantes de perda de água corporal, gerando frequentemente a desidratação, estado em que a perda de água é bastante maior que a sua ingestão. Este conceito é bem conhecido pelos atletas de endurance, apesar de muitas vezes ser mal gerido, inclusive por atletas de elite detentores de recordes mundiais (Haile Gebrselassie ganhou a maratona do Dubai em 2009 tendo perdido 9,8% do seu peso corporal).

No que toca ao desempenho do atleta, existem várias maneiras em que a desidratação tem um impacto fisiológico negativo:

  • Redução no volume sanguíneo (hipovolemia), com consequente redução do output cardíaco e do VO2 max
  • Menor fluxo sanguíneo na pele
  • Menor Taxa de sudorese
  • Menor dissipação de calor
  • Aumento da temperatura interna (core) do corpo
  • Aumento da taxa de utilização de glicogénio muscular
  • Redução da taxa de esvaziamento gástrico de fluidos durante a atividade física, diminuindo a biodisponibilidade dos fluidos ingeridos e aumentando o risco de desconforto gastrointestinal
  • Comprometimento da função cognitiva
Se as perdas continuarem sem compensação (5 a 10% do peso corporal) podemos chegar à exaustão por calor e/ou insolação, ou em casos graves, à hiponatremia sintomática, rabdomiólise e possível falha renal. Neste cenário, de forma a preservar o seu desempenho, saúde e bem-estar, os atletas devem pôr em ação estratégias antes, durante e após a atividade física para impedir a desidratação.

Então, como prevenir?

É essencial começar qualquer atividade física num estado de euhidratação e com níveis de eletrólitos (principalmente sódio e potássio) dentro dos níveis normais. Nas 4h anteriores ao evento o atleta deve beber fluidos sem pressa, ao ritmo de ~5-7ml por kg de peso, de forma a produzir uma urina com pouca cor e cheiro. Se a urina estiver muito concentrada (cor forte e cheiro) ou for inexistente, nas 2h seguintes o atleta deverá ingerir mais fluidos, cerca de ~3-5 ml por kg de peso corporal. Juntar sódio e/ou pequenas quantidades de alimentos salgados nas refeições (pretzels, molho soja) vai ajudar a estimular a sede e a reter os líquidos.

E durante a atividade?

O objetivo de beber fluidos durante a prova é prevenir perdas maiores que 2% do peso corporal e alterações significativas de eletrólitos. Dado que existe uma grande variação na taxa de sudorese individual (uma média de ~0,4 a 1,8 litros por hora), nas condições ambientais e no tipo, duração e intensidade de atividade física, o ideal seria um plano de hidratação customizado, mas isso é assunto para um artigo posterior. Por agora, um bom ponto de partida para um atleta que começou um evento euhidratado é beber ad libitum (de acordo com a sede) a uma taxa de 0,4 a 0,8L por hora.

Outro facto importante de reter é que a composição da bebida também importa, ou seja, uma bebida que para além da água também tenha sódio, potássio e açúcares simples irá atuar em 3 vertentes: hidratar, repor eletrólitos perdidos no suor e ainda dar energia, tudo num «pacote» de concentração isotónica (mesma concentração que o sangue) para não provocar desconforto intestinal.

E após o esforço?

Aqui o objetivo é repor o déficit de fluidos e eletrólitos que foi criado durante o evento. Se o nível de desidratação não for muito grande e o próximo treino/competição for mais distante que 12h então consumir água simples e refeições normais será o suficiente para restaurar a euhidratação.

Em casos em que o período de recuperação é de menos de 12h o atleta deverá ingerir 1,5L por cada kg de peso perdido, juntamente com snacks e alimentos ricos em sódio (refeições mais salgadas que o costume por exemplo) de forma a promover uma maior retenção hídrica e aumentar a sede (quanto maior for o volume ingerido maiores serão as perdas através da urina).

Referências:
  • Beis LY, Wright-Whyte M, Fudge B, Noakes T, Pitsiladis YP. Drinking behaviors of elite male runners during marathon competition. Clin J Sport Med. 2012;22(3):254-61.
  • Sawka MN, Burke LM, Eichner ER, Maughan RJ, Montain SJ, Stachenfeld NS. American College of Sports Medicine position stand. Exercise and fluid replacement. Med Sci Sports Exerc [Internet]. 2007 Feb [cited 2022 Feb 8];39(2):377-90. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17277604/
  • DT T, KA E, LM B. American College of Sports Medicine Joint Position Statement. Nutrition and Athletic Performance. Med Sci Sports Exerc [Internet]. 2016 Mar 1 [cited 2022 Feb 8];48(3):543-68. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26891166/